
Além de campo de futebol e avenida, outros espaços ganharam placas de inauguração, entre os dias 23 e 24, de obras que não existiram ou foram finalizadas, segundo relatos
Após publicação de reportagem sobre a “inauguração” de obras ainda não finalizadas na avenida José Rugine e no campo de futebol do Jardim Cananéia (leia aqui), o Blog do Baena recebeu outras denúncias de entregas fakes pela cidade de Pilar do Sul, apenas com o intuito de eternizar o nome do prefeito Marco Aurélio Soares (União Brasil) e de secretários de seu governo. Segundo relatos, embora as monumentais chapas de aço tragam a data de 05 de novembro, as mesmas só foram instaladas entre os dias 23 e 24 deste mês de dezembro, às vésperas do Natal.
Numa das manifestações que chegaram à redação, uma moradora das proximidades da avenida José Rugine confirma que até o início desta semana não havia placa de inauguração instalada no local. “Foi colocada entre segunda (23) e terça (24). Nem movimento eu vi, estava de olho para descer e cobrar porque fizeram tudo com tanto desespero que nem rede de esgoto deixaram passada, não sei como será”, relata a munícipe, que pediu para ter a identidade preservada.
No dia 16 de novembro, 11 dias após a data que consta na placa, ela tirou foto da filha em frente ao oratório em homenagem a São Roque, onde futuramente será erguido um santuário diocesano. Este é o ponto onde instalaram o que seria a confirmação de conclusão e entrega das obras de infraestrutura na avenida. A foto foi manipulada apenas para ocultar o rosto da criança, mas a data do registro mantida.

Até 16 de novembro deste ano, a placa de inauguração datada de 05 de novembro, aniversário de Pilar do Sul, não estava instalada na avenida José Rugine

Placa indica recurso federal de cerca de R$1,4 milhão para conclusão em 07 de setembro de pavimentação da via no bairro Guaçuzal, mas trecho segue inacabado
Posto de saúde teria sido reformado
No mesmo Jardim Cananéia – do campo de futebol fechado, sem traves de gol, demarcações no gramado, arquibancadas, banheiros e vestiários – a gestão, que termina em 31 de dezembro, instalou uma placa inaugural na frente da UBS (Unidade Básica de Saúde) Maria Cândida Soares para celebrar uma reforma que, segundo funcionárias do local, não ocorreu. Ambas pediram anonimato.
“Chegaram, instalaram rapidinho e se mandaram. De certo, imaginaram que a unidade não iria abrir na segunda-feira (23), só vimos a placa depois. Não teve reforma, pelo contrário, tem coisas quebradas e precisamos de algumas melhorias”, relatou uma das funcionárias. A UBS não funcionou na quinta (26) e na sexta (27) em virtude de revezamento promovido pela Secretaria de Saúde neste final de ano.
Conforme apurado, no mesmo dia 23 foi instalada a placa de inauguração do campo de futebol inacabado do bairro. A Prefeitura não promoveu nenhum ato solene nos locais citados, nem na avenida José Rugine, para que o prefeito fizesse o descerramento da placa diante de outras autoridades e populares – nada de convites para formalizar as entregas ou publicidade para que moradores pudessem acompanhar de perto como os espaços ficaram na realidade.
Curiosamente, também não houve manifestação a respeito por parte do presidente da Câmara de Pilar de Sul. O nome de Eli de Gois Vieira Junior (MDB), o Professor Eli, consta das lâminas instaladas sobre paredes ou monumentos de concreto pela cidade, embora ele seja do Legislativo, cujo papel é de fiscalizar o Executivo e não de realizar obras públicas. Até o fechamento desta matéria, nenhuma justificativa por parte da Prefeitura Municipal.
“A televisão da unidade está quebrada há quase três anos, faltam cadeiras, a mesa do refeitório está quebrada e tem mesas de consultórios sem os gaveteiros. A impressora de um consultório quebrou, a médica não tinha como imprimir as receitas e tivemos que improvisar diante da demora para consertar ou comprar outra. Muita coisa faltando e surge essa placa dizendo que foi feita uma reforma que não teve, é demais”, completou outra funcionária da UBS, que atende também a população do bairro Chácaras Reunidas. Segundo relatos, em 2021, houve uma ampliação do prédio, que não chegou a ser inaugurada.
Pegou mal
Pelos comentários nas redes sociais do Blog do Baena e em plataformas digitais que reproduziram as reportagens em texto e vídeo, a atitude do prefeito não foi bem vista pela população. Não faltaram críticas, como algumas que reproduzimos a seguir:
“Querendo inaugurar obras sem terminar, levar vantagem do que não fez. A população tem que ter mais consciência na hora de votar.”
“No Campestre 2 foi a mesma coisa.”
“De quatro em quatro anos, a história se repete.”
“Os vereadores que estiveram junto com o prefeito todo esse tempo não foram na inauguração?”
“Agora apareceu. Tá no fim do mandato e o posto (de saúde) do Jardim Pinheiro está largado, só no mato.”
“Afinal, ficou bonito ali na rua da casa dele.”
“Que Xou da Xuxa é esse?”
“Entrar com pedido na Câmara de revogação e retirada das placas. Se a Câmara não fizer, entrar no Ministério Público.”
“Vamos retirar as placas de inauguração, mesmo porque não se inaugurou nada.”

Marquinho da Autoescola, do União Brasil (à esq.), cederá o comando do Paço Municipal a Clayton Machado (Republicanos), que poderá retirar placas irregulares, conforme especialista
Desdobramentos
Pilar do Sul, com seus 27.619 habitantes, carrega na esfera pública o hábito de cidades interioranas Brasil afora, onde políticos instalam placas de inauguração para batizar pavimentação de ruas e avenidas e instalação de semáforos. Durante a gestão 2021-2024, isso não fugiu à regra.
Em relação às placas instaladas em obras inacabadas, o advogado e especialista em Direito Eleitoral Ilmar Muniz explica que não se trata de um caso de uso da máquina pública para promoção pessoal com fins eleitoreiros (com a intenção de confundir o eleitor a partir da divulgação de imagem distorcida da realidade). O atual prefeito não foi candidato nas eleições deste ano, pois havia sido reeleito em 2020.
De acordo com o jurista, os episódios ferem o princípio da moralidade e, embora não sejam crimes eleitorais, podem resultar em condenação e inelegibilidade. “Há pontos bem importantes a se avaliar como a finalidade de justificar as contas públicas, quando se diz que gastou toda a verba porque acabou uma obra mesmo sem ter terminado, o que é crime. Teoricamente, não houve prejuízo ou corrupção, mas falsidade no ato, improbidade por falta de moralidade. Se condenado, o agente político fica inelegível”, esclarece. “O futuro prefeito (Clayton Machado, do Republicanos) pode pedir a retirada das placas irregulares de forma justificada”, conclui.
Nem todas as placas inaugurais instaladas às pressas, antes do término de 2024, por Pilar do Sul se referem a obras inacabadas. A da rua Major Euzébio de Moraes Cunha, por exemplo, está concluída, com asfalto novo e palmeiras no canteiro, ornamentando o trecho da via onde reside o prefeito Marco Aurélio Soares, popularmente conhecido como Marquinho da Autoescola.
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